terça-feira, 15 de março de 2011

O Defensor e Infrator da Lei


Não é distinto dos filmes de ficção. Mudam-se os tempos, mas os personagens ainda continuam os mesmos: é a mesma elite econômica executando o seu projeto e poder de controle, inclusive qualificando aquilo que pode ser considerado belo ou feio. Ela subjuga o diferente e o humilha, supondo condições de inferioridade étnico-racial, cultural, social...
Durante esta madrugada, fui tomada por um incômodo circunstancial. Este desconforto se sucedeu a partir de um fato. Eu me sentiria negligente, e até conivente, se me calasse diante da opressão do preconceito. Então, dediquei-me a pensar no quanto as coisas mudariam se fizéssemos, efetivamente, uma ação conjunta que se estendesse para além dos nossos interesses pessoais - embora o compromisso com a ética seja um interesse íntimo, de todo indivíduo, ou ao menos se presume ser. Afinal, já não se pode deixar influenciar: são múltiplas as influências - desde a própria vaidade, até os espetáculos do nosso tão grande e ainda pequeno cenário de todo dia.
Digo isto, pois há cerca de um mês, a lembrança de um fato incomoda e me castiga muito. E começo a questionar: conhecimento, para quem? Para que tantos livros em suas prateleiras, se a atuação ainda é de um "selvagem"?
Na verdade, acredito que os selvagens, historicamente distinguidos como tal, poderiam vir a lhe ensinar sutilezas, uma vez que não vivem com a imposição da "falsa civilização" - ainda conservada por um moralismo no qual não creio. Neste dia em questão, tive o desprazer de presenciar um Juiz de Direito (se eu citar, aqui, o seu nome, poderei ser processada) referir-se às negras de um povoado chamado Gameleira, do município de Retirolândia, região sisaleira da Bahia, como "negras feias". Em suas palavras, evidenciou o desconforto e a repugnância de estar entre aquelas mulheres - tão trabalhadoras e cidadãs como ele!
Bem, eu até compreenderia o distanciamento dele deste grupo alegando outros fatores. Afinal, somos indivíduos em adaptação e ainda com muitas limitações. Mas não. A referência do desconforto do Magistrado foi meramente racial e, de certo, derivada do preconceito sócio-econômico-cultural. Uma discriminação explícita para com uma cor (uma gente, uma porção étnico-racial) historicamente marginalizada. Esta mesma cor de indivíduos dignos por seus trabalhos, escravizados, perseguidos, explorados. A cor em questão é a mesma que derramou seu suor para destocar pastos, terras, levantar cercas, limpar suas casas, lavar as vestes dos seus ancestrais - que edificaram esta mesma elite da qual Vossa Excelência faz parte.
Por muitas razões, eu não queria ter testemunhado esta cena sufocada por risos, comentários descabidos e algum silêncio constrangedor. Entretanto, toda a minha vergonha foi por eu estar ali e ter ouvido (de quem deveria ser o “defensor da lei”) que não demorou naquele lugarejo, porque lá só tinha umas "negras feias".
Por eu ser mulher e negra, e sentir muito orgulho do que sou, fui também ferida como todas as demais, que não sofreram o golpe das palavras de Vossa Excelência! E se ainda não fosse negra, sou humana, ativista, tenho consciência política. Porém, diante do olhar do Magistrado, minha "cor marrom" não é "preta". E se não é preta, não é feia, ruim, nem desconfortável. Ele, ao perceber o meu incômodo, tentou o riso de quem conserta, a fala de que eu não me sentisse ofendida (porque não sou "preta"), ou seja: uma emenda muito pior do que o soneto.
Apesar de este Magistrado viver em Salvador, capital baiana, com uma população com maior número de negros(as), ainda assim ele não consegue vislumbrar o mundo para além das paredes do seu condomínio ou da sua sala de audiências. Além das paredes, vivem os negros, pobres, feios, trabalhadores braçais amontoados nas favelas sem infra-estrutura... enfim, nas senzalas modernas!
Isto ocorre, Excelência, porque o Estado vem negligenciando os historicamente discriminados pelas complexas redes do preconceito, existindo somente para defender os que pagam altos impostos - iguais ao senhor, que deve enxergar mais estes pretos quando eles estão como réus nos processos sob a sua égide.
Pois bem, Senhor Juiz. Ao contrário de Vossa Excelência, os negros tomam cachaça ao invés de wisque importado; andam nos “buzões” lotados, ao invés de carros com vidros blindados.
Entretanto, em nada o senhor é melhor do que eles, apesar de - imagino - julgar o contrário.
Quero lhe contar um segredo: espíritos de luz não o são por serem brancos, mas por serem humildes e transparentes. Acredito que a sua enciclopédia em nada falhou, nem os seus DVDs de como se tornar uma pessoa melhor. Mas em nada lhe foram úteis.
Então, caro Magistrado, recomendo que vá morar na Suíça, pois este nosso país é de afro-descedentes! Cerque-se de "brancos(as) bonitos(as)", compre tudo que seu dinheiro puder comprar. Porém, não espere por uma próxima reencarnação para exercer a virtude da tolerância e do respeito indiscriminado, pois ela, certamente, demorará.
Oxalá que todas as cores comungassem, no nosso cenário social, sob a égide do respeito efetivo e sob o mando de uma igualdade mais real do que a escrita na própria Constituição.

Luzes por sobre as trevas do preconceito!

Esta é a sentença.

Érica Santos, poetisa, natural de Retirolândia-BA, é Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

103 anos de D. Canô!


Estes dias, recebi um presente – que considero divino: a oportunidade de celebrar, novamente, o aniversário (desta vez, dos 103 anos de vida) da amiga Canô Velloso. E que vida! Vida de doação no amor e no bem que florescem, sempre renovados. Quinta-feira da semana passada, dia 16 de setembro, Santo Amaro-BA estava em festa para a comemoração do natalício de alguém que se tornou especial na vida de muitas pessoas. Os(as) filhos(as), todos(as) visivelmente emocionados(as) e felizes: Clara, Mabel, Roberto, Rodrigo, Caetano, Bethânia, Nicinha e Irene (estas últimas, rebentos não biológicos, mas acolhidos pelo coração de Canozinha). Os(as) netos(as) e bisnetos(as), também, radiantes, exultavam. Demais familiares e nós, convidados(as), unimo-nos a todos os(as) presentes para agradecer a Deus pelas lições imortais de sabedoria emanadas de D. Canô. Primeiro, na Missa em Ação de Graças conduzida pelo Monsenhor Sadoc, animada pelo coral e orquestra do maestro Miguel Lima. Não poderia, o início da festividade, ser em local diverso, porque Canô, além de devota de Nossa Senhora da Purificação, é uma cristã, católica, que sempre deu marcante exemplo da sua fé. Em seguida, na própria residência da matriarca, reunimo-nos, onde foi servida a mesa da alegria, da bonança e, especialmente, da gratidão. Lúcida como sempre, Canozinha acompanhou, vivaz, humilde e alegre, todos os passos da comemoração. A sua sala, logo repleta de presentes e de flores, de espécies e cores mais variadas, comunicava os agradecimentos das pessoas para com a aniversariante, cujo olhar transmitia uma paz indescritível.
E por que escrever sobre o aniversário de D. Canô? Questionei-me. Por ser mãe de filhos que se tornaram famosos? Não.
Realmente, é incontestável que Claudionor Viana Teles Velloso (conhecida afetivamente como Canô) se tornou nacional e internacionalmente conhecida por conta dos múltiplos talentos de alguns dos(as) filhos(as) – especialmente, Caetano Velloso e Maria Bethânia. E, por consequência, muitas pessoas se atraíram a conhecê-la, devido à admiração pelo reconhecido trabalho destes(as) filhos(as). Mas a verdade inexorável, da qual eu sou prova, é a de que, uma vez tendo se aproximado de D. Canô, o maior foco de admiração se volta para ela. Ou seja: é como se os(as) filhos(as) deixassem de brilhar, em um certo aspecto, para dar espaço a quem sempre teve um lugar de humildade e de sabedoria bem próprio e delimitado na eternidade: ela, D. Canô.
Conheci D. Canô pessoalmente em janeiro de 2004, quando, a convite do amigo Pe. Hélio (então pároco de Santo Amaro), fui cantar na Festa de Nossa Senhora da Purificação, na Igreja – uma canção que compus em homenagem à padroeira dos(as) santamarenses, intitulada Menina da Purificação, e que já tive a oportunidade de gravar. Parece que as minhas palavras de louvor à Virgem Mãe, naquela noite de 30 de janeiro de 2004, tocaram o coração repleto de doçura de Canozinha. Após conversar com ela, a mesma me fez, de pronto, um convite de ir à sua residência para dialogarmos mais. De lá para cá, foram muitas idas e vindas à sua casa, almoços, lanches, prosas, risos e a amizade se solidificando, com aprendizados que guardarei para sempre. Lembro-me, como hoje, que, em 2005, após alguns meses sem vê-la, eu a reencontrei no camarim do Teatro Castro Alves, em Salvador, após um show da filha. E ela, sem titubear, ao me ver, exclamou: “Enézio, meu filho! Como vai?”. Respondi: “Bem, D. Canô. Melhor ainda ao vê-la tão alegre!”. E ela: “Não poderia ser diferente! Mas me diga, meu filho: você vai voltar para Feira de Santana agora à noite, a esta hora?” Eu retruquei: “Não, D. Canô. Eu dormirei aqui em Salvador e só viajo amanhã.”. Ela, então: “Ainda bem, porque as estradas estão muito perigosas e sua vida é demais preciosa!”. O diálogo prosseguiu. E, adiante, comentamos a beleza da canção que Caetano compôs em sua homenagem (o Ofertório, sempre entoado nas missas dos seus aniversários). Eu reproduzi parte deste diálogo, somente para demonstrar que, uma vez acolhida pelo coração de D. Canô, uma pessoa passa a ser parte da sua vida dadivosa, das suas orações, preocupações e atenções tão doces quanto o seu sorriso, que não se cala – mesmo diante de possíveis adversidades.
D. Canô poderia, simplesmente, fechar-se em um mundo doméstico de conforto (merecido conforto que a circunda, pela provisão especial dos(as) filhos(as), especialmente de Maria Bethânia – mesmo à distância, tão presente na vida da mãe), mas não o fez. Fez-se mulher para muito além do lar; participante vívida do cotidiano do seu povo santamarense, da gente baiana, brasileira e mundial; cidadã que se envolveu e se envolve em inúmeras campanhas beneficentes, festividades populares, estimulando a arte, em suas manifestações diversas, e colaborando com atividades culturais das mais variadas – especialmente as religiosas, como são exemplos, para além de Santo Amaro, a Festa de Nossa Senhora Sant’Ana (Feira de Santana-BA) e a Festa de Nossa Senhora Aparecida (Aparecida-SP). Canô nunca negou um sorriso e um afago a quem quer que seja, recebendo, destemida e sorridente, milhares de pessoas em sua própria residência, com a maior simplicidade e paciência. Também, nunca se furtou a discordar de modo firme, quando preciso, para fazer valer a verdade do bem. E, neste particular, por conhecê-la de perto, posso afirmar que ela nunca se deixou ludibriar ou seguir, simplesmente para agradar ou para não contrariar, as opiniões de quem quer que seja (mesmo de familiares ou de pessoas mais próximas). Tem suas próprias convicções sólidas e as expõe com a maior naturalidade, sem perder um traço que lhe é peculiar: a doçura.
Enquanto, para muitos(as), envelhecer é sinônimo de temor ou pesar, para Canozinha é motivo de alegria, de comemoração. Como não louvar a Deus pela sua vida? Como não louvá-Lo pela vida das pessoas que, na chamada terceira idade, com mais de oitenta, noventa ou cem anos, transmitem-nos tantas lições de sabedoria? Estou pleno de que, a exemplo de D. Canô, as(os) idosas(os) são mulheres e homens muito especiais: além de “donos(as) do tempo”, constituem veículos pulsantes de educação e de cidadania – uma cidadania para além dos direitos políticos; uma cidadania no amor e no bem que tanto edificam. Por me apresentar pessoas marcantes assim - como Canô -, a vida me tem sido objeto de louvor e de estímulo, de revalorização constante, de sagrado agradecimento. Descubro, enfim, que estas pessoas nunca morrem! D. Canô, que Santo Amaro recebeu por bênção divina, sintetiza, sem dúvida, um exemplo de comunhão familiar e fraterna dos mais admiráveis.
Diante do estado de graça e de constante aprendizagem que me envolve, convido-lhes, amigos e amigas, a mirarem, em Canozinha e em tantos(as) outros(as) “donos(as) do tempo”, um amanhã mais justo, livre e solidário. Conclamo-lhes para que a cidadania de milhões de senhoras e de senhores não continue - como, para muitas(os) está – ameaçada, pela negligência individual, familiar ou pelo descaso dos Poderes Públicos, pois tal abandono, ofuscando-lhes o brilho, inerente a todos os seres humanos, impede-lhes de concluírem a jornada dignamente e de serem, também, conhecidas(os). Na condição de sementes fecundas e imortais de sabedoria, as mulheres e os homens que se encontram na convencionada “terceira idade”, além de proteção jurídico-social adequada, precisam ser mais percebidos e valorizados, pois foram os responsáveis pela edificação dos alicerces que nos servem de base existencial e são, do presente ao eterno futuro, a prova de que viver, com dignidade e preservando a integridade, ainda é o grande e melhor presente!

Parabéns, D. Canô! Salve, Canozinha! Deus seja louvado!


Texto de autoria do Dr. Enézio de Deus Silva Júnior

Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea, UCSAL
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
Especialista em Direito Público
Advogado - 0AB-BA 20.914

Dilma: o(a) anti-Cristo?

Há muito, não se via e nem se ouvia tanto absurdo, a respeito de um candidato à Presidência, como está sendo propagado e forjado nestas eleições, levianamente, contra Dilma Rousseff.
Primeiro, o alarde dos argumentos de que ela foi terrorista e de que não podia nem pisar em solo norte-americano. Após suplantadas estas falácias, veio outra tentativa de desestabilizá-la: a questão da quebra do sigilo fiscal (sem nenhuma prova de que a mesma estivesse, direta ou indiretamente, envolvida). Agora, emergem, na internet, ambas sem fundamento plausível e sem prova, a terceira e a quarta leva de argumentos ridículos; um verdadeiro show de barbaridades: a de que nem Cristo, querendo, impede a vitória da candidata e a que questiona a sua orientação afetivo-sexual.
Muitos já devem ter recebido o email, cujo teor afirma que Dilma, em suposta entrevista, teria afirmado que nem Cristo, querendo, tira-lhe a vitória. Onde está a gravação ou o vídeo (com voz e/ou imagem) da candidata fazendo esta afirmação? A resposta é uníssona: na maldade de alguns(mas) eleitores(as) – insatisfeitos(as) com o resultado das pesquisas, que continuam apontando a possibilidade de vitória de Dilma no primeiro turno.
Cada pessoa é livre para fazer a sua escolha, é lógico. E uma das grandes riquezas da nossa Democracia reside, particularmente, nesta liberdade. Mas “satanizar” uma pessoa, como estão fazendo com Dilma, com argumentos absolutamente débeis, é, no mínimo, ridículo.
E, na leva dos discursos absurdos, não faltam os que até o câncer, de que fora acometida a candidata, é levado em consideração – como uma “arma” que Satanás tem nas mãos para que o Vice de Dilma, oportunamente, assuma a Presidência (Vice este que, também, já está maldito na língua de muitos(muitas) que se afirmam cristãos(ãs))!
Paira um temor (nas mensagens que venho recebendo – especialmente de alguns evangélicos), movido por emoções e bastante irracionalidade, de que, caso eleita, Dilma interferirá, negativamente, no funcionamento das igrejas, como se isto fosse uma intenção dela (nunca foi!) ou como se um(a) Presidente(a), sozinho(a), tivesse este supra-poder de "rasgar" uma Constituição formal como a nossa. Para estas pessoas, imaginar interferências em templos é questão de poder; quase de “vida ou morte”, como se a salvação estivesse contida dentro de paredes. Daí o evidente desequilíbrio delas.
Realmente, trazer Cristo para a disputa presidencial, para ver se isto tira votos de Dilma, é a prova de que alguns (mas) fanáticos (as) estão desesperados ou quase beirando a imbecilidade.
Os argumentos (todos que tenho visto) utilizados para tentar desestabilizar a campanha de Dilma Rousseff são infundados, muito frágeis, facilmente desmontados.
Até da orientação sexual da candidata já se ouve especular, como se houvesse algum problema, que a incapacitasse para governar, caso ela fosse lésbica. E isto, sendo verdade, é da conta de quem? Em que aspecto a orientação afetivo-sexual de uma pessoa, como um dado isolado, qualifica-a ou a desqualifica para administrar? Em nenhum.
Tenho muito a elogiar quando penso em Serra ou em Marina (por exemplo), mas já fiz a minha escolha e ela é muito sólida: votarei em Dilma, porque tenho muito mais razões para fazê-lo (e falo pela racionalidade – não por questões de fé). Minha fé, cristã de berço, nada tem a ver com os representantes que escolho.
O problema, que atualmente põe o Brasil em atraso (com relação a vários países), encontra-se no Congresso: bancadas que legislam por doutrinas (tomando discursos fundamentalistas, como se estivessem em altares de templos), esquecendo-se de que o Estado brasileiro é LAICO – ou seja, não deve, em suas decisões, levar em conta nenhuma vertente doutrinário-religosa. O Estado deve ser o porta-voz da legalidade com embasamento unicamente científico.
Os (as) que estão criando e repassando estas mensagens distorcidas contra Dilma são fundamentalistas - e muitos (as) optaram por Marina, não por sua história de vida ou política (também, bastante admirável), mas por a mesma ser evangélica (e Marina seria, então, “a ação e a voz divinas” no comando da nação, cujo Deus é o Senhor destes (as) eleitores (as). Se não for o Senhor deles (as), não serve!).
Por isto, frente a esta perseguição a Dilma, é como se eu ouvisse, claramente, Cristo exclamar: “Perdoai-lhes, Pai, pois não sabem o que fazem.”
Há diversos preconceitos que circundam a candidatura de Dilma: por ser mulher, por ter lutado contra a Ditadura Militar - o que deveria ser motivo de orgulho para todos (as) nós -, por ser a mais provável sucessora de Lula, etc.
Não há nada de comprovado, na suposta biografia de Dilma que andam repassando pela internet, que desabone a sua moral, a sua competência ou a sua integridade. Muito pelo contrário: a sua história a dignifica muito.
Já está comprovado que todas as pessoas que se destacaram na luta contra o regime militar no Brasil (a exemplo da corajosa então jovem Dilma Rousseff) foram acusados / fichados dos mais horrendos crimes, justamente porque, de modo corajoso, ousaram enfrentar - como poucas (os) - uma estrutura de atrocidades mantida pelos militarem que se apropriaram do poder no país por tantos anos.
É justamente pela personalidade tão marcada pela coragem, que, desde jovem, Dilma vem assumindo posições e cargos estratégicos no Brasil em prol de uma sociedade mais livre, justa, solidária e progressista.
Quanto ao argumento de que Dilma foi "terrorista", esse é falso e, em parte, distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável.
Como bem lembra Jorge Furtado, “José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.” A conquista da liberdade, tão sonhada e sólida (como o é em nossos dias de Constituição de 1988), devemos, especialmente, a estas pessoas.
Tenho inúmeras razões para votar em Dilma (o meu texto ficaria muito longo se eu elencasse, aqui, todas estas razões) e mais motivos ainda para que o projeto de Lula seja, a cada dia, mais consolidado no país – cuja chance, acredito, estar na escolha de Dilma para a Presidência. Mas repito: cada pessoa é absolutamente livre para escolher. A escolha, com decência e sem atacar de modo infundado quem quer que seja é, sem dúvida, mais bonita.
Dilma, ao meu ver, é a candidata mais preparada para assumir o comando político-administrativo do país e já é possível antever o fato histórico de termos a primeira Presidenta da República!
Fico envergonhado, como cidadão de senso crítico e atento ao passado histórico do nosso país, quando recebo emails, scraps ou mensagens frágeis, de teor infundado, cujo objetivo é, tão somente, tentar desestabilizar a candidatura de Dilma Rousseff ou manchar a sua imagem.
Felizmente, Dilma (destemida, desde cedo) não tem se abatido por esta leva de barbáries. É como se suas forças, pelo contrário, estivessem todas renovadas para, em breve, governar o Brasil!


Texto de autoria do Dr. Enézio de Deus Silva Júnior
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea, UCSAL
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
Especialista em Direito Público
Advogado - 0AB-BA 20.914

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Culto à Cachoeira



Situada no recôncavo baiano, banhada pelas águas do Paraguaçu, revestida de glórias, de louvores aos santos, do canto dos atabaques aos orixás em todos os seus cantos, mestiça de sangue, negra de luta e de pele, sacra e profana... é Cachoeira.
Exuberante em historicidade, ilustrada pelos seus filhos ilustres, heróica pelo bravismo de seu povo, esta é Cachoeira!
Cidade da magia, da mãe do Rosário, da mãe de tantos filhos de santos... terra de povo alegre e hospitaleiro, e, também, de povo guerreiro.
Pajé de muitas tribos, feiticeira de muitos amores, os que a ela visitam, fascinam-se com sua beleza antiga, mas sempre nova por encantar aos que nela fitam o olhar pela primeira vez.
Quem és tu, Cachoeira? Mãe ou amante? Vilã ou heroína?
Misto de amor e ódio, admiração e indignação. Cheia de contos, de imaginação. De casarios velhos da colonização. De ruas empedradas pela escravidão. De luminárias a ressaltar das fachadas das casas, lembrando o prenúncio da liberdade dantes tão sonhada.
De ruas cinematográficas que revelam, a cada esquina, a cada ladeira, cenas de um filme do passado - um fantástico momento surreal -, documentário de um duelo entre o ontem e o hoje, que acontece sob os pés do caminhante, diante da ótica apreciativa do espectador.
Cachoeira, de cultura singular, de melodias santas a ressoar no teu altar, de tantos cantos de Ialorixás, dos sinos d’Ajuda a anunciar: “o embalo vai começar”. Do Damário da Cruz a ti poetizar, do Hansen Bahia em ti se imortalizar, dos estrangeiros da Boa Morte a ti reverenciar, da Bahia, a cada 25 de junho, a ti exaltar.
És grande! És Cachoeira! E só isso a ti basta.

O analfabetismo na pós-modernidade


Ao se falar em analfabetismo logo se associa ao não conhecimento das letras, à educação primária, básica. Contudo, ser analfabeto não se limita a essa área.
Atualmente, com a pós-modernidade, através da globalização e todo o processo de informação rápida e instantânea, de competição, de pertença a um único sistema econômico, todos ou quase todos os países tornaram-se integrantes da sociedade informacional, ou seja, há uma invasão da tecnologia midiática nos lares, nos ambientes educacionais, no trabalho, nos diversos lugares de lazer, em todo o mundo.
Os pequenos países, entenda-se aqui, os de pequeno porte econômico ou quase nenhum, são obrigados a fazer parte desse cenário, embora sejam meros figurantes, enquanto outros são os coadjuvantes dos personagens principais: os titãs, outros são os titãs de fato, e outros ainda se contentam em integrar o núcleo intermediário desse filme real de título “aldeia global”.
Os estudiosos do comportamento humano atestam o embate entre a evolução tecnológica e a involução humana. Comprova-se esta afirmativa, quando se percebe o aumento da desigualdade social, o crescimento do analfabetismo no ranking dos países classificados como mal alfabetizados comparados aos reconhecidos como bem alfabetizados ou com o índice mínimo de analfabetismo.
Hoje, a palavra analfabeto não é limitada ao homem primitivo, que não tem acesso à escola, mas sim, a inúmeras áreas, por entender o vocábulo analfabeto como ignorância a algo, desconhecimento, e assim surgem as classificações: analfabeto do letramento - aquele que não sabe ler e escrever; analfabeto tecnológico – pessoa que ignora qualquer instrumento tecnológico; analfabeto cultural - aquele que desconhece sua cultura ou qualquer manifestação cultural e por fim, analfabeto funcional – pessoa que mesmo reconhecido como alfabetizado, é incapaz de compreender o que ler, ou qualquer outro tipo de texto que a ele seja apresentado: uma imagem, uma escrita, uma sentença matemática, entre outros tipos de analfabetismo.
Com essa caótica realidade, da qual o Brasil integra, é assustador perceber o percentual de analfabetismo funcional apresentado pelo Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (Pnad) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mais de 25% da população com mais de 15 anos é analfabeto funcional – um grande desafio para a educação brasileira.
Como se percebe, analfabeto não é apenas a pessoa que ignora algo, que não tem domínio da prática da escrita e da leitura, isso revela, talvez, o índice alarmante de crianças, adolescentes, jovens e adultos com capacidade restrita de interpretar, de analisar, logo, comprometido o futuro profissional dessas pessoas, de um país, em questão, o Brasil.
O pior é saber que essas pessoas chegam às Academias, não entenda aqui uma condenação às mesmas, mas um alerta a um problema que vem tornando-se uma pandemia no âmbito educacional. Obviamente, sabe-se que esse é um problema primário, logo, não poderá ser sanado imediatamente, tampouco, rapidamente, mas deve ser pensado o quanto antes para não comprometer as gerações futuras.
Se se passear pelas escolas, principalmente em horário de aulas de língua portuguesa e matemática é quase que descrível, incompreensível para o desconhecedor do problema, o cenário que se pinta diante de seus olhos e entender como tantos alunos são incapazes de compreender o texto que lhes é apresentado, seja de qualquer área, pequenas ou grandes sentenças frasais ou matemáticas ou outras.
Logo aparecem os questionamentos: - Que país é este? Que educação é esta? Para onde caminha a humanidade? Há uma grande controvérsia, um antagonismo, quando se percebe o avanço tecnológico desenfreado e o total domínio dos instrumentos dessa tecnologia por crianças a partir de 6 anos e o surgimento de hackers, ainda nos primórdios da adolescência.
A intenção deste texto é refletir sobre um problema que afeta a todos, porque um país de pessoas bem alfabetizadas, certamente terá um futuro promissor, uma sociedade constituída de homens e mulheres realmente conscientes de sua cidadania e da defesa da cidadania dos demais integrantes da mesma. Serão pessoas intérpretes das entre linhas do discurso de um povo que nem sempre terá a coragem de proclamá-lo, serão políticos verdadeiramente comprometidos em fazer política, juízes promotores da justiça, da igualdade social, protagonistas de uma nova era – cidadãos considerados alfabetizados funcionais, por serem capazes de desenvolver seu senso crítico a partir de sua alta capacidade de análise, de intepretação de qualquer texto ou situação.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Seminário de Belém e o Padre Voador


O Santuário Arquidiocesano Santo Antonio de Sant’Anna Galvão, igreja do antigo Seminário de Belém, situado no recôncavo baiano, em Belém (Cachoeira), agrega em seu acervo histórico o registro de pessoas que figuram nos cenários religioso e científico do Brasil como Antonio Galvão, primeiro santo brasileiro, Alexandre de Gusmão, diplomata, secretário de D. João V, e o Pe. Bartholomeu de Gusmão, mais conhecido como o padre voador por causa de seu invento: o balão movido a ar quente.
No passado, o Seminário de Belém era conhecido em todo o país por sua excelência em ensino - fama que percorreu as praças da Europa. Lá estudaram alunos oriundos de famílias abastadas das várias regiões do Brasil. Hoje, não mais existe o Seminário, apenas lembranças impressas nas paredes da Igreja de Nossa Senhora de Belém e nos arredores do terreno. Entretanto, sabe-se que não existe presente sem passado. O livro é aberto e um novo capítulo é escrito: a implantação do Santuário, um reconhecimento da Arquidiocese de São Salvador da Bahia ao lugar onde residiu, por alguns anos, o primeiro santo brasileiro. Também lá marcou passagem o inventor do primeiro balão movido a ar quente, Bartholomeu de Gusmão. Uma ousadia para aquela época, mas, se for percorrido os registros daquele período muito se descobrirá, como, também, já se descobriu sobre as engenhocas desse jovem estudante e mais tarde, padre - um sacerdote metido a cientista -, que deixou sua contribuição para o Seminário quando lá estudava e foi o primeiro homem a tentar voar, antes mesmo do invento dos franceses, o que pouco é sabido.
Em agosto fará 300 anos que o padre voador fez a exibição pública de sua descoberta. Diante da significativa importância desse invento para a ciência face à inexistente tecnologia e primitivo conhecimento de todos daquela época, o Pe. Bartholomeu de Gusmão merece a reverência dos brasileiros. Por isso serão realizados diversos festejos em comemoração ao tricentenário do balão, a fim de que todos possam ter conhecimento desse fato. Entre as várias homenagens ao jesuíta, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, através de Sérgio Mattos e Adinoel Motta Maia, este, escritor e estudioso sobre a vida do padre, junto aos Côn. Hélio Vilas Boas, Reitor do Santuário, e Pe. Cid Cruz, Presidente da Sociedade Mantenedora do mesmo, reuniram-se no dia 08 de junho deste ano, para confirmar a implantação do memorial do Pe. Bartholomeu de Gusmão no Santuário, por ele ter pertencido ao corpo discente do Seminário, o que, certamente, muito contribuirá para futuros estudos acadêmicos de interessados na vida do padre voador.
Mais uma vez Cachoeira se faz notória por seu passado de figuras que imortalizaram seus nomes nos anais da história.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Texto de Frei Beto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente ('robôs, escravos do 'modernismo', ignorantes que não estão vivendo, uma triste situação humana!!!............pf). Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... ' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!''
Estamos construindo superhomens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a inteligência emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem 60 academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?' 'Olha,uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais...
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então,é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'
O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista.
Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, falta de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald's...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático'. Diante dos olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: 'Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz'.