quarta-feira, 17 de junho de 2009

Texto de Frei Beto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente ('robôs, escravos do 'modernismo', ignorantes que não estão vivendo, uma triste situação humana!!!............pf). Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... ' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!''
Estamos construindo superhomens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a inteligência emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem 60 academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?' 'Olha,uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais...
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então,é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'
O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista.
Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, falta de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald's...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático'. Diante dos olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: 'Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz'.

25 de junho: ontem e hoje


A história da humanidade é ilustrada de conquistas alcançadas através de lutas, de batalhadas travadas em diversos cenários, sendo diferenciadas conforme a época.
O homem, imbuído de seus anseios de domínio e de liberdade, torna-se carcereiro e prisioneiro de suas vontades, de seus desejos. Assim aconteceu na história do povo cachoeirano: a epopéia do 25 de junho de 1822.
Cantado em verso na letra do hino de Cachoeira, recitado em prosa por seus moradores e historiadores, o 25 de junho não foi apenas uma luta pelo ideal libertador do jugo português, mas, foi, antes de qualquer outro fim, a luta pela liberdade ansiada pelos anônimos, que junto às brigadas militares estiveram na Praça da Aclamação, em junho de 1822.
Negros escravos, pessoas humildes que também, além da luta por uma pátria livre, lutavam pela própria liberdade aprisionada pelo regime escravocrata, por uma sociedade burguesa, apoderada pelos senhores de engenho, que fazia da desigualdade social uma epidemia, afetando de forma vil os proletários.
Pobres, pretos, brancos, índios, militares, autoridades civis e religiosas - toda uma população de guerreiros. Forças que se uniram por um único ideal e ao mesmo tempo pelo próprio. Antagônico? Talvez sim, mas real.
A luta de liberdade do homem, desde o início do mundo, despe-se e veste-se de armas, cenários e contextos diversos, como outrora foi dito.
A história existe para registro de fatos ocorridos a serem conhecidos por gerações da atualidade e do futuro. Mas, constata-se que nem sempre tudo é sabido. Se percorrido os bastidores da mesma, muito se descobrirá oculto: ideais particulares, disputas interiores, batalhas políticas nem sempre eclodidas em vitória.
O grito de guerra ecoado há 187 anos, ainda ressoa aos ouvidos dos cachoeiranos, induzindo-os à nova epopéia.
A luta atual não é com armas de fogo, é uma busca por melhor qualidade de vida, por uma cidade politicamente estruturada, que possa atender as necessidades de seus munícipes através de geração de emprego, de uma educação qualificada que contemple, principalmente, a camada mais pobre da Cidade, de uma economia sustentável – indicadora da estagnação da desigualdade social.
Hoje, a batalha acontece através da mídia, por meio de passeatas políticas e populares de uma Cidade que almeja dar continuidade ao registro de sua história nos relatos da pós-modernidade, evidenciando seu progresso, fazendo memória a um povo heróico, imortalizado por sua cidadania e patriotismo.
Desde 2008, a cada 25 de junho, a capital do Estado é transferida para Cachoeira, por um dia (Lei 10.695/07, aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo governador Jaques Wagner).
A história abre seu livro para rememorar um passado de feitos heróicos, a fim de despertar no povo cachoeirano o brio que os fará fascinar-se por novos ideais, revestir-se de glórias que farão jus aos seus antecipados, estabelecendo um diálogo entre o passado e o presente.
Salve Cachoeira! “Revivei constelada de sóis!”