terça-feira, 8 de setembro de 2009

Culto à Cachoeira



Situada no recôncavo baiano, banhada pelas águas do Paraguaçu, revestida de glórias, de louvores aos santos, do canto dos atabaques aos orixás em todos os seus cantos, mestiça de sangue, negra de luta e de pele, sacra e profana... é Cachoeira.
Exuberante em historicidade, ilustrada pelos seus filhos ilustres, heróica pelo bravismo de seu povo, esta é Cachoeira!
Cidade da magia, da mãe do Rosário, da mãe de tantos filhos de santos... terra de povo alegre e hospitaleiro, e, também, de povo guerreiro.
Pajé de muitas tribos, feiticeira de muitos amores, os que a ela visitam, fascinam-se com sua beleza antiga, mas sempre nova por encantar aos que nela fitam o olhar pela primeira vez.
Quem és tu, Cachoeira? Mãe ou amante? Vilã ou heroína?
Misto de amor e ódio, admiração e indignação. Cheia de contos, de imaginação. De casarios velhos da colonização. De ruas empedradas pela escravidão. De luminárias a ressaltar das fachadas das casas, lembrando o prenúncio da liberdade dantes tão sonhada.
De ruas cinematográficas que revelam, a cada esquina, a cada ladeira, cenas de um filme do passado - um fantástico momento surreal -, documentário de um duelo entre o ontem e o hoje, que acontece sob os pés do caminhante, diante da ótica apreciativa do espectador.
Cachoeira, de cultura singular, de melodias santas a ressoar no teu altar, de tantos cantos de Ialorixás, dos sinos d’Ajuda a anunciar: “o embalo vai começar”. Do Damário da Cruz a ti poetizar, do Hansen Bahia em ti se imortalizar, dos estrangeiros da Boa Morte a ti reverenciar, da Bahia, a cada 25 de junho, a ti exaltar.
És grande! És Cachoeira! E só isso a ti basta.

O analfabetismo na pós-modernidade


Ao se falar em analfabetismo logo se associa ao não conhecimento das letras, à educação primária, básica. Contudo, ser analfabeto não se limita a essa área.
Atualmente, com a pós-modernidade, através da globalização e todo o processo de informação rápida e instantânea, de competição, de pertença a um único sistema econômico, todos ou quase todos os países tornaram-se integrantes da sociedade informacional, ou seja, há uma invasão da tecnologia midiática nos lares, nos ambientes educacionais, no trabalho, nos diversos lugares de lazer, em todo o mundo.
Os pequenos países, entenda-se aqui, os de pequeno porte econômico ou quase nenhum, são obrigados a fazer parte desse cenário, embora sejam meros figurantes, enquanto outros são os coadjuvantes dos personagens principais: os titãs, outros são os titãs de fato, e outros ainda se contentam em integrar o núcleo intermediário desse filme real de título “aldeia global”.
Os estudiosos do comportamento humano atestam o embate entre a evolução tecnológica e a involução humana. Comprova-se esta afirmativa, quando se percebe o aumento da desigualdade social, o crescimento do analfabetismo no ranking dos países classificados como mal alfabetizados comparados aos reconhecidos como bem alfabetizados ou com o índice mínimo de analfabetismo.
Hoje, a palavra analfabeto não é limitada ao homem primitivo, que não tem acesso à escola, mas sim, a inúmeras áreas, por entender o vocábulo analfabeto como ignorância a algo, desconhecimento, e assim surgem as classificações: analfabeto do letramento - aquele que não sabe ler e escrever; analfabeto tecnológico – pessoa que ignora qualquer instrumento tecnológico; analfabeto cultural - aquele que desconhece sua cultura ou qualquer manifestação cultural e por fim, analfabeto funcional – pessoa que mesmo reconhecido como alfabetizado, é incapaz de compreender o que ler, ou qualquer outro tipo de texto que a ele seja apresentado: uma imagem, uma escrita, uma sentença matemática, entre outros tipos de analfabetismo.
Com essa caótica realidade, da qual o Brasil integra, é assustador perceber o percentual de analfabetismo funcional apresentado pelo Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (Pnad) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mais de 25% da população com mais de 15 anos é analfabeto funcional – um grande desafio para a educação brasileira.
Como se percebe, analfabeto não é apenas a pessoa que ignora algo, que não tem domínio da prática da escrita e da leitura, isso revela, talvez, o índice alarmante de crianças, adolescentes, jovens e adultos com capacidade restrita de interpretar, de analisar, logo, comprometido o futuro profissional dessas pessoas, de um país, em questão, o Brasil.
O pior é saber que essas pessoas chegam às Academias, não entenda aqui uma condenação às mesmas, mas um alerta a um problema que vem tornando-se uma pandemia no âmbito educacional. Obviamente, sabe-se que esse é um problema primário, logo, não poderá ser sanado imediatamente, tampouco, rapidamente, mas deve ser pensado o quanto antes para não comprometer as gerações futuras.
Se se passear pelas escolas, principalmente em horário de aulas de língua portuguesa e matemática é quase que descrível, incompreensível para o desconhecedor do problema, o cenário que se pinta diante de seus olhos e entender como tantos alunos são incapazes de compreender o texto que lhes é apresentado, seja de qualquer área, pequenas ou grandes sentenças frasais ou matemáticas ou outras.
Logo aparecem os questionamentos: - Que país é este? Que educação é esta? Para onde caminha a humanidade? Há uma grande controvérsia, um antagonismo, quando se percebe o avanço tecnológico desenfreado e o total domínio dos instrumentos dessa tecnologia por crianças a partir de 6 anos e o surgimento de hackers, ainda nos primórdios da adolescência.
A intenção deste texto é refletir sobre um problema que afeta a todos, porque um país de pessoas bem alfabetizadas, certamente terá um futuro promissor, uma sociedade constituída de homens e mulheres realmente conscientes de sua cidadania e da defesa da cidadania dos demais integrantes da mesma. Serão pessoas intérpretes das entre linhas do discurso de um povo que nem sempre terá a coragem de proclamá-lo, serão políticos verdadeiramente comprometidos em fazer política, juízes promotores da justiça, da igualdade social, protagonistas de uma nova era – cidadãos considerados alfabetizados funcionais, por serem capazes de desenvolver seu senso crítico a partir de sua alta capacidade de análise, de intepretação de qualquer texto ou situação.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Seminário de Belém e o Padre Voador


O Santuário Arquidiocesano Santo Antonio de Sant’Anna Galvão, igreja do antigo Seminário de Belém, situado no recôncavo baiano, em Belém (Cachoeira), agrega em seu acervo histórico o registro de pessoas que figuram nos cenários religioso e científico do Brasil como Antonio Galvão, primeiro santo brasileiro, Alexandre de Gusmão, diplomata, secretário de D. João V, e o Pe. Bartholomeu de Gusmão, mais conhecido como o padre voador por causa de seu invento: o balão movido a ar quente.
No passado, o Seminário de Belém era conhecido em todo o país por sua excelência em ensino - fama que percorreu as praças da Europa. Lá estudaram alunos oriundos de famílias abastadas das várias regiões do Brasil. Hoje, não mais existe o Seminário, apenas lembranças impressas nas paredes da Igreja de Nossa Senhora de Belém e nos arredores do terreno. Entretanto, sabe-se que não existe presente sem passado. O livro é aberto e um novo capítulo é escrito: a implantação do Santuário, um reconhecimento da Arquidiocese de São Salvador da Bahia ao lugar onde residiu, por alguns anos, o primeiro santo brasileiro. Também lá marcou passagem o inventor do primeiro balão movido a ar quente, Bartholomeu de Gusmão. Uma ousadia para aquela época, mas, se for percorrido os registros daquele período muito se descobrirá, como, também, já se descobriu sobre as engenhocas desse jovem estudante e mais tarde, padre - um sacerdote metido a cientista -, que deixou sua contribuição para o Seminário quando lá estudava e foi o primeiro homem a tentar voar, antes mesmo do invento dos franceses, o que pouco é sabido.
Em agosto fará 300 anos que o padre voador fez a exibição pública de sua descoberta. Diante da significativa importância desse invento para a ciência face à inexistente tecnologia e primitivo conhecimento de todos daquela época, o Pe. Bartholomeu de Gusmão merece a reverência dos brasileiros. Por isso serão realizados diversos festejos em comemoração ao tricentenário do balão, a fim de que todos possam ter conhecimento desse fato. Entre as várias homenagens ao jesuíta, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, através de Sérgio Mattos e Adinoel Motta Maia, este, escritor e estudioso sobre a vida do padre, junto aos Côn. Hélio Vilas Boas, Reitor do Santuário, e Pe. Cid Cruz, Presidente da Sociedade Mantenedora do mesmo, reuniram-se no dia 08 de junho deste ano, para confirmar a implantação do memorial do Pe. Bartholomeu de Gusmão no Santuário, por ele ter pertencido ao corpo discente do Seminário, o que, certamente, muito contribuirá para futuros estudos acadêmicos de interessados na vida do padre voador.
Mais uma vez Cachoeira se faz notória por seu passado de figuras que imortalizaram seus nomes nos anais da história.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Texto de Frei Beto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente ('robôs, escravos do 'modernismo', ignorantes que não estão vivendo, uma triste situação humana!!!............pf). Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... ' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!''
Estamos construindo superhomens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a inteligência emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem 60 academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?' 'Olha,uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais...
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então,é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'
O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista.
Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, falta de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald's...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático'. Diante dos olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: 'Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz'.

25 de junho: ontem e hoje


A história da humanidade é ilustrada de conquistas alcançadas através de lutas, de batalhadas travadas em diversos cenários, sendo diferenciadas conforme a época.
O homem, imbuído de seus anseios de domínio e de liberdade, torna-se carcereiro e prisioneiro de suas vontades, de seus desejos. Assim aconteceu na história do povo cachoeirano: a epopéia do 25 de junho de 1822.
Cantado em verso na letra do hino de Cachoeira, recitado em prosa por seus moradores e historiadores, o 25 de junho não foi apenas uma luta pelo ideal libertador do jugo português, mas, foi, antes de qualquer outro fim, a luta pela liberdade ansiada pelos anônimos, que junto às brigadas militares estiveram na Praça da Aclamação, em junho de 1822.
Negros escravos, pessoas humildes que também, além da luta por uma pátria livre, lutavam pela própria liberdade aprisionada pelo regime escravocrata, por uma sociedade burguesa, apoderada pelos senhores de engenho, que fazia da desigualdade social uma epidemia, afetando de forma vil os proletários.
Pobres, pretos, brancos, índios, militares, autoridades civis e religiosas - toda uma população de guerreiros. Forças que se uniram por um único ideal e ao mesmo tempo pelo próprio. Antagônico? Talvez sim, mas real.
A luta de liberdade do homem, desde o início do mundo, despe-se e veste-se de armas, cenários e contextos diversos, como outrora foi dito.
A história existe para registro de fatos ocorridos a serem conhecidos por gerações da atualidade e do futuro. Mas, constata-se que nem sempre tudo é sabido. Se percorrido os bastidores da mesma, muito se descobrirá oculto: ideais particulares, disputas interiores, batalhas políticas nem sempre eclodidas em vitória.
O grito de guerra ecoado há 187 anos, ainda ressoa aos ouvidos dos cachoeiranos, induzindo-os à nova epopéia.
A luta atual não é com armas de fogo, é uma busca por melhor qualidade de vida, por uma cidade politicamente estruturada, que possa atender as necessidades de seus munícipes através de geração de emprego, de uma educação qualificada que contemple, principalmente, a camada mais pobre da Cidade, de uma economia sustentável – indicadora da estagnação da desigualdade social.
Hoje, a batalha acontece através da mídia, por meio de passeatas políticas e populares de uma Cidade que almeja dar continuidade ao registro de sua história nos relatos da pós-modernidade, evidenciando seu progresso, fazendo memória a um povo heróico, imortalizado por sua cidadania e patriotismo.
Desde 2008, a cada 25 de junho, a capital do Estado é transferida para Cachoeira, por um dia (Lei 10.695/07, aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo governador Jaques Wagner).
A história abre seu livro para rememorar um passado de feitos heróicos, a fim de despertar no povo cachoeirano o brio que os fará fascinar-se por novos ideais, revestir-se de glórias que farão jus aos seus antecipados, estabelecendo um diálogo entre o passado e o presente.
Salve Cachoeira! “Revivei constelada de sóis!”